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Músico, vivo, questionador, aprendiz

segunda-feira, outubro 31, 2005

Against love - a polemic


Trecho do livro Contra o Amor,
de Laura Kipnis

PRÓLOGO
(ou "Acaba de acontecer uma coisa comigo".)


"Quer dançar?" Você reuniu toda a estudada despreocupação que pôde, convencendo-se, por um segundo (a auto-ilusão não é inteiramente desconhecida em momentos como este), de que seus motivos são tão puros quanto o ouro de suas algemas de casamento, sua virtude, tão eterna quanto o cronograma de pagamento de sua hipoteca. Depois de executar este pequeno ato de ousadia, seu corpo agora nervosamente apertado contra esta pessoa que lhe lançou olhares sedutores a noite toda, você lentamente se conscientiza de uma sensação obscura mas não de todo desconhecida agitando-se por dentro, um rumor distante que vai aumentando, como uma manada de elefantes reunindo-se na savana... Ai, meu Deus, é a sua libido, antigamente uma conhecida guerreira da liberdade e agora uma coisa lamentável e mirrada, do criminoso arrogante ao cidadão exemplar, de Janis Joplin a Barry Manilow em apenas algumas décadas. Depois de todo o feroz impulso primal ter sido sublimado há muito tempo no trabalho e na vida familiar, depois de todos os órgãos pertinentes terem se empenhado no casal como propriedade comunitária (e agora muito ocasionalmente reunidos para fazer aquelas trocas conjugais previsíveis, mas — vamos encarar os fatos — com um ardor um tanto flácido, um interesse que diminui aos poucos), você de repente se recorda, com um baque, do que deixou escapar. Quando o sexo ficou tão entediante? Quando ele se transformou nessa coisa que deve ser "trabalhada" por você? Embora não seja constrangedor, quanto tempo você pode continuar sem ele se você não se lembra de tê-lo feito, e o quanto uma boa noite de sono pode parecer mais convidativa se comparada com aqueles atos ensaiados demais? Embora ele costumasse ser muito bom — se a memória não falha —, antes havia todo aquele sarcasmo. Ou decepção. Ou filhos. Ou história.



O resto do pessoal está se agitando desvairadamente com o pseudo-abandono deselegante de cidadãos responsáveis de férias, perto da bebida gratuita e ansiosos por reafirmar a si mesmos que ainda podem engoli-la, sem se importarem com o fato de que vão se sentir péssimos na manhã seguinte. (Talvez acadêmicos em uma conferência anual, gratos por estarem momentaneamente livres de alunos queixosos e da vida intelectual — mas a profissão não importa, esta pode ser a história de qualquer um.) Então aqui está você, dançando no ritmo (assim você espera), boiando numa sensação exótica. Será... prazer? Há muito tempo que alguém não olha para você com esse tipo de interesse, não é? Várias partes corporais e mentais estão agitadas por esse contato imediato com uma anatomia que não é a de seu parceiro — que foi dissuadido de vir, ou que não estava interessado, para começar, e...



Apague este pensamento, rápido. Isto é, se você pode chamar o que está passando pela sua cabeça de pensamento.



Talvez não fosse uma festa. Talvez fosse um avião, ou sua academia, ou — para os que preferem viver exclusivamente no presente — o trabalho. (Pense bem: vários encontros embaraçosos pelos anos que virão.) O lugar não importa; o que interessa é se ver chocando-se tão voluptuosamente com uma possibilidade, um momento desestabilizador do tipo pode-ser-o-começo-de-alguma-coisa. Você se sentiu transformado: de repente tão encantador, tão atraente, despertado de uma inércia emocional, e mudo de surpresa com todo o desejo lancinante que você pensava que tinha superado há muito tempo. Então aconteceu o primeiro telefonema nervoso, um café, ou um drinque, ou — dependendo das circunstâncias — uma inacreditável maratona de conversa que varou a noite. Há muito tempo que alguém não ouve você desse jeito ou ri de suas piadas, ou olha ansiosamente dentro de seus olhos. Quando vocês se tocam "acidentalmente", uma dor de ânsia se aloja na mente e na virilha, substituindo um vazio que você nem percebia que estava ali. (Ou se acostumara a se automedicar com os paliativos de sempre: martínis e Prozac.) De algum modo as coisas rapidamente ficam um pouco mais sérias do que você previra, algo que você queria secretamente (tudo bem, queria desesperadamente), e agora as emoções estão envolvidas, as vulnerabilidades estão envolvidas — emoções que você não pretendia ter, vulnerabilidades que o arrepiam até o âmago, e você não deveria estar sentindo nada disso, mas também você está estranhamente... será alvoroçado?



Por trás desse alvoroço há uma fusão combustível de ansiedade entorpecente e culpa torturante. Você parece estar transpirando constantemente, um suor desagradável e pegajoso. E, meu Jesus, será que isso é herpes? Seu estômago fica desarranjado; sua consciência parece um apêndice inflamado, doendo, prestes a supurar de toxinas e culpa. Um vírus estranho parece ter invadido seu sistema imunológico, que normalmente funciona muito bem, penetrando-lhe as defesas, deixando-o vulnerável, trêmulo, estranhamente corado. Parece que você contraiu um caso de desejo fatal. (A única vida que ele ameaça é a que você levava, que agora parece dolorosamente carente de um ingrediente vital — uma ausência cuja imagem agora persegue cada pensamento que você tem.)



Será que você é mesmo do tipo que faz essas coisas? Tudo se antecipa muito ao fato, esse tormento pessoal, porque você ainda não "fez coisa alguma" realmente, mas ainda assim você se odeia. Você decide dissuadir o objeto de amor recém-encontrado — fazer uma saída elegante. "Não posso", você explica pesaroso, embora perceba que, na verdade, você pode. Não há nenhuma estatística confiável sobre o lapso de tempo médio entre expressões como "Não posso" ou "Talvez não seja uma boa idéia" e o começo das preliminares, mas os sociolingüistas devem pensar em investigar seu peculiar poder afrodisíaco. De qualquer modo, a culpa é um alívio a seu modo — ela confirma que você realmente não é má pessoa. Se fosse, não se sentiria culpada.



Ou... talvez você tenha feito isto algumas vezes antes. Talvez mais do que algumas vezes. Talvez você tenha feito sua própria barganha particular, periodicamente se desprendendo do gancho da fidelidade no sentido estrito — não levar a sério, divertir-se um pouco, não enganar ninguém — para manter a fidelidade no sentido mais amplo, preservando aqueles compromissos antigos com o máximo de sua capacidade, apesar de tudo. "Tudo" aqui resume cada concessão que você não pretendia fazer ou aquele catálogo muito manuseado de mágoas que você leva consigo o tempo todo, ou as crescentes rejeições sexuais (cada uma delas uma ferida pequena mas duradoura em alguma parte delicada de seu ser), ou — preencha você mesmo o espaço em branco. E até agora isso funcionou (bata na madeira), não aconteceu nenhum desastre imenso (apesar do ocasional momento de tensão, uma recriminação aqui e ali), porque, afinal, você é fundamentalmente uma pessoa decente, sincera a seu modo, e você não quer magoar ninguém, e é claro que você ama seu parceiro, ou pelo menos não consegue imaginar a vida separado dele (nem as rupturas, a angústia e a vergonha social que tal rompimento acarretaria), mas você precisa — bem, do que você precisa não é bem a questão, e certamente não é uma discussão que você pretenda ter consigo mesmo (talvez depois que as crianças estiverem na faculdade devam ter filhos, se não adiarem para um momento indefinido no futuro), afinal, por que abrir essa caixa de problemas, se é óbvio que depois aqueles problemas não vão voltar voluntariamente para a sua caixa e a última coisa que você quer é uma grande confusão nas mãos. Ou para as pessoas pensarem que você é uma imbecil ou uma puta egoísta que não se importa com ninguém, só consigo mesma, ou qualquer dos outros termos que uma comunidade ameaçada usa para expressar o opróbrio moral.



Quaisquer que sejam as peculiaridades, aqui está você, no limiar de uma grande infração dos mandamentos, prestes a ser induzido (ou talvez reintegrado, você decide) na culpa secreta de sabotadores conjugais, estorvando imprudentemente o mecanismo social com seus desejos errantes. Você não tem idéia do que está fazendo, ou do resultado disso (pode ser necessária uma amnésia situacional sobre a última vez), mas você faria qualquer coisa para continuar se sentindo tão... vivo.



E tão... experimental. O adultério está para o amor-segundo-as-regras como o tubo de ensaio está para a ciência: um receptáculo de experiências. É uma forma de se ter uma hipótese, de improvisar: "E se..." Ou de assumir um risco conceitual. Como qualquer experiência, pode ser realmente uma má idéia ou pode ser uma cura milagrosa — transubstanciação ou uma possível explosão. Ou as duas coisas. Alguma coisa nova pode ser inventada ou compreendida: pode ser a próxima mudança de paradigma esperando para acontecer. Ou pode ser um fiasco. Mas você nunca sabe de antemão, não é?

2 comentários:

Lelê disse...

Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus fica até zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus

Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado para adorar o Criador

E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor

Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador

Ou será que Deus
Que criou nosso desejo é tão cruel
Mostra os vales onde jorra o leite e o mel
E esses vales são de Deus

Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus

Lelê disse...

Sem autoria não é justo. Esqueci de colocar: Sobre Todas as Coisas - Chico e Edu