Quem "estou":

Minha foto
Músico, vivo, questionador, aprendiz

quinta-feira, julho 14, 2022

Para elas

Ontem abracei meu filho e, por um momento, fiquei aliviado por ele ser menino. Isso depois de passar o dia assombrado pelo último escândalo conhecido de violência à mulher. Fiquei pensando mesmo no quão inviável, impraticável, insalubre e aterrorizante é ser mulher. Não só nesse país, mas nesse mundo. Infelizmente já soube de muitos casos. Alguns tão próximos que me tiraram o chão, o rumo, a vontade e até a capacidade de reagir. 

Ontem eu falei um pouco sobre esse turbilhão de sentimentos com um amigo, um homem, um pai de duas mulheres que estava indignado com o silêncio dos homens, seus pares, e dele mesmo. 

Eu aceito as críticas delas com esse silêncio. Eu fiquei mudo. Eu não tive palavras. Veio um turbilhão de sentimentos ruins. Muita vergonha. Uma certa culpa compartilhada, talvez. Costumo dizer que fui criado pra ser machista, racista, homofóbico, etc. E é um processo longo e árduo de deseducação. Desintoxicação eu diria. Mas isso não é mérito, tampouco serve como desculpa. É preciso esse movimento. Todo mundo teve uma mãe. Todo mundo nasceu de uma mulher. Todo mundo precisa rever suas violências. Rever quais lhe foram ensinadas, quais foram cultivadas por si mesmo e quais foram repassadas adiante. E eu preciso começar comigo (e já comecei), mas é preciso espalhar aos outros. Outros mesmo, no masculino. Não devemos, homens, dar desculpas, mas pedir desculpas e, principalmente, devemos nos proibir de dizer: "Ah, mas mulher também...". Qualquer coisa que siga à essa linha deve ser evitada, proibida, combatida. Vamos olhar para nós em consideração a elas. 

E peço desculpas pelo meu silêncio, mulheres, pois eu fiquei e fico mudo quando a tristeza ultrapassa certo limite, ou quando a raiva ultrapassa certo limite, ou quando o absurdo ultrapassa certo limite. É a minha maneira, talvez um defeito, talvez uma virtude. Ainda não sei ao certo. 

Já presenciei ato de racismo tão perverso que não tive reação imediata. Já presenciei uma defesa da escravidão que me fez deixar a conversa depressivo e sem vontade de resposta. Já soube de violência sexual que me fez sentir inválido. O tempo, bastante, me fez voltar a caminhar, mas algo por dentro se quebrou. Isso porque não fui eu a vítima direta. Elas são. Mesmo quando não são, elas sabem que têm um alvo nas costas, no corpo, na essência. Como elas suportam? Como saem às ruas? Como ainda nos tratam como iguais? Como ainda nos respeitam? 

Mulheres, vou me esforçar cotidianamente para ter mais atenção e respeito com vocês. Vou aprendendo a reagir mais, agir mais, cuidar mais e, principalmente, revisar-me constantemente. 

Espero que um dia possa viver num mundo em que eu não precise ficar feliz ou aliviado por meu filho ser menino. Espero ajudar a construir esse mundo. Sempre com vocês, mulheres. Sempre para vocês.

[Arley Bequadro - 14/07/2022]


terça-feira, fevereiro 16, 2021

Que desejo seja fome

Que desejo seja fome
Que uma vez satisfeito 
Logo volte insaciável

Que o sabor seja surpreendente
Ainda que memorável
Pois tenho tudo que preciso
Mas o que desejo é mais

Que saiba entender a paixão
Sem nunca desvendar o mistério

Que cada abraço seja infinito e desfrutado instante

Que mesmo se a morte vier de surpresa,
não se sobreponha à vida,
esta sim mais intensa

Que o amor seja líquido, 
gasoso, 
fluido,
ainda que sólido

[Arley Bequadro - 2020/2021]

sexta-feira, outubro 05, 2018

Ânsia

Abro
Não tem nada
Mudo

Abro de novo
Nada
Mudo
Espero
Faço
Volto

Abro
Tem algo
Leio
É problema
Não é o esperado
Lido
Resolvido
Atualizo

Tem mais duas
Será?
Não é
Uma é inútil
A outra é boleto
Apago e pago

Agora são três
Será dessa vez?
Uma é resposta.
Outra é pergunta.
Essa é anúncio.
Como lidar?

Lido
Mudo
Nada mudou

Tudo se repete
Repito

Quando é que chega?
Chega!

Escravidão

Inventou-se o Direito de posse... Daquilo que não é seu, daquilo que você não é. A gente mal mal está, como querer garantir o ter? O que são esses grilhões?

Do outro lado o outro. Aquele, aquela, aquilo, a quilo. Peço, peso e penso: não sou eu, então não é meu. Está comigo se comigo for. Pensamentos não se prendem, aprendem. Aprendem a voar e não dependem nem de asas. Corpos são desejos. Desejos encorpados em ações. Voltas, revoltas e reviravoltas. O fluxo que escorre, esguicha e a gente lambe. Eu lambo, lâmbido, lânguido. Sorvo o que causei. Absorvo o que veio aprendido naquele ser que não sou. Aprendo a não prender. Tento me apegar ao desapego mesmo que não seja isso que me disseram quando não passava de um aprendiz. Sempre sou.

Quando a gente pensa que tem esquece do tempo. - Pô! Não era meu outro dia?! - Não era meu outro dia. No passado. No futuro. No presente distante. Ninguém é escravo. Não devemos aceitar. Ainda que todos estejamos escravos de pensamentos que possuímos. Ou melhor dizer que os pensamentos é que nos possuem?

Estou tentado. Tentando. Possuo apenas o instante. Nada mais me pertence. O que eu tiver, no sentido de vivenciar, isso sim posso chamar de meu. Você, amor, só pertence a você.

Digo, não é bem isso... O meu amor é seu.

[Arley Bequadro]

Medida

Ser feliz é um talento, uma arte, talvez um dom. Há muitos cursos por aí. Há muitos exemplos. Ser feliz requer destrezas. Ser feliz requer filtros. Ser feliz requer foco.

Há beleza demais no mundo para não ter felicidades. Há muitos instantes a serem gozados. Muitos deles não exigem nenhum requisito. Acontecem. Ser é mais difícil. Felicidade é como música. Ocorre no tempo. Há início, meio e fim. Muitas delas têm ápice. Depois fica a lembrança dos instantes felizes que é felicidade também, por assim dizer.

Mas por que aceitamos (todos) as leis anti felicidade?

[Arley Bequadro]

sexta-feira, setembro 21, 2018

11 - Do Livro sobre Nada

Prefiro as máquinas que servem para não funcionar:
quando cheias de areia de formiga e musgo – elas
podem um dia milagrar de flores.

Os objetos sem função têm muito apego pelo abandono.)

Também as latrinas desprezadas que servem para ter
grilos dentro – elas podem um dia milagrar violetas.

(Eu sou beato em violetas.)

Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam a Deus.
Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!

(O abandono me protege.)
[Manoel de Barros]

segunda-feira, abril 23, 2018

Crônica de um insone

Ontem Bruna tava assistindo seriado do Flash (aquele super-herói da DC Comics), que particularmente acho bem ruim, e eu fui “dormir”. Como “dormir” para o meu cérebro significa: Agora é hora de pensar/calcular todo o tipo de insensatez, possibilidade, encrenca, solução para toda a sorte de coisas... eu comecei a imaginar o que seria possível fazer no mundo real com os poderes desse personagem. Como tinha uma assembleia de condomínio no dia seguinte (22/04/2018) foi inevitável não ligar as questões e imaginar o que o Flash faria em prol do condomínio. Eis que cheguei numa péssima constatação. 

O Flash poderia conseguir limpar o condomínio em questão de segundos, recolhendo todo o lixo, varrendo, lavando e esfregando cada pedaço que visse. Conseguiria evitar alguns acidentes e até executar pequenos reparos estruturais e simples. Porém, qualquer questão minimamente complexa precisaria de conhecimentos técnicos e estudos que provavelmente ele não tem. Continuaria precisando também da colaboração dos demais para não sujar, por exemplo. Ou seja, se eu tivesse hoje o poder do Flash, eu continuaria sem saber como consertar algo elétrico, hidráulico e/ou mecânico, por exemplo. Eu não conseguiria rebocar os muros, pois não sei fazer massa de cimento, não sei limpar fossa, não sei fabricar grades de metal para o estacionamento, não sei fazer nada de jardinagem. Não sei fazer inúmeras tarefas que são necessárias no condomínio e ser superveloz não resolveria essas tarefas. Talvez eu até conseguisse lixar todo o portão de entrada e pintar, assim como os muros, mas mesmo assim teria que esperar a tinta secar a primeira mão antes de passar a segunda.

Resumidamente, eu conseguiria agilizar diversas questões que dependem de transporte/deslocamento ou são apenas atividades repetitivas, manuais e simples ou dentro das minhas áreas de conhecimento, mas todas aquelas que dependem de outro conhecimento ou de produtos feitos sob medida teriam que ser feitas no tempo dos outros. Mesmo com os poderes do Super-Homem ficaria muita coisa a depender. Batman já é outro caso porque esse é bilionário e com dinheiro se contrata todo o tipo de profissional especializado, inclusive administrador, coordenador, etc. 

Enfim, minha constatação foi de que o conhecimento e a colaboração de equipes e especialistas em cada área são mais importantes e essenciais que qualquer outra coisa. Ninguém consegue resolver os problemas do mundo sozinho. Nem mesmo de um país, de um condomínio ou até de uma simples casa. Precisamos de conhecimento, parceria, colaboração e boa vontade, além do dinheiro, pois não somos nenhum Batman. 

HáBraços heróicos

segunda-feira, março 26, 2018

PoeSua

você, quando sua, é plena
quer cachos, mas sem embolar
enrosca, mas não prende
elástico
o profundo sem afundar
rigidez, que dura só o eficiente
tudo quer sem nada possuir
você, só, quer, poder, querer

quinta-feira, março 15, 2018

Sê çedilha

Voçê çedilha, preste muinta atenção
você tem o rabo preso, mas voçê não
çe conçentre çe esforçe
faça çó çua mição

quinta-feira, janeiro 04, 2018

Semi soneto

Doces de vários sabores
vidas de vários amores
flores de vários odores
bebidas de vários teores

flores de várias cores
paixões de vários ardores
Pessoas, de vários humores
Pedaços de vários autores


segunda-feira, junho 26, 2017

Palavraria

Dizem que somos feitos majoritariamente de água, mas eu desconfio. Acho que a gente é feito principalmente de palavras. Veja bem o Fabiano que sabia tão poucas palavras. A Baleia era muito mais comunicativa que ele e ela mal mal (au au) latia. O coitado do papagaio era tão 'despalavrado' que virou comida, um tanto pela necessidade e outro tanto pela falta de adjetivos. Tudo que a gente conheceu dessas Vidas Secas foi por causa das palavras do Graciliano, cujo ramo (ou Ramos) principal era a arte da palavra. Eu, muitas vezes, fico "sem palavras", não pela fatídica falta delas, mas pelo pavor de usá-las para ferir ou ser ferido por elas. Algumas machucam feito sisal. As mesmas palavras podem ser travestidas e resignificadas dependendo do receptor. Outras saem tão completamente descontroladas pelo mundo que não há muito o que fazer depois que ganham vida. As pessoas até tentam usar outras palavras para corrigi-las, mas palavra dita não tem controlzê.

Tenho um tanto de palavras escritas. Estas são baseadas em palavras pensadas, que por sua vez são baseadas em palavras lidas e ouvidas. Vivo tentando construir com palavras, seja um muro, seja um sentimento, seja um explicação, seja eu mesmo. Difícil mesmo é me desconstruir das palavras que estou. Aprendo novas, reciclo antigas, crio outras e até estudo palavras d'outro idioma para ver se funcionam melhor. Vez ou outra encontro alguma que me ajuda e vibro com o sucesso de cada desconstrução. Ando pensando que anda valendo mais desconstruir certos (meus) muros que construir certas vigas. Algumas palavras formam pontes, para fugir de palavras rasas que escorrem feito caudalosos rios, torrentes. As vezes esse rio lava, outras vezes esse rio leva. Leva minha convicção já tão pouca, lava minhas dúvidas, mas tão somente para descobrir muitas outras, que palavras faltam para me explicar. 

As piores palavras eu nem digo, mas penso, mas sou. Esse não dizer palavra maldita (nem dita) é bom. Ruim é não dizer palavras boas. Disso eu ando me curando. Problema mesmo é o acúmulo de palavras próprias que não consigo dizer. Estão crescendo feito mato. Mato-me um pouco com esse matagal interno. Tenho medo! Medo daquelas pessoas de poucas palavras. Aquelas que, por não gostar de palavra diferente, usam as poucas que têm para nos emudecer (ou nos fazer usar aquelas palavras malditas, nem ditas, acima citadas sem direta citação). Ignoram um mundo de palavras para justificar sua falta de apetite pela palavra servida. Fico mudo e mudo para outro lugar. Certas horas sinto até culpa e essa culpa lavra meu silêncio. Há (sempre houve) pessoas usando palavras bem organizadas para fazer o mal. Outras, muitas, usam poucas palavras mal organizadas para gerar polêmica. Não sabem que o mal não escolhe lado. Ele está em cada palavra. O bem tampouco se seduz por soluções binárias. Lembrando ainda que foi o número zero uma revolução na matemática, e que antes dele já havia não só o um, mas ainda o dois, o três, o quatro e o infinito. Para que reduziríamos tudo a zero e um? Para que reduzir tudo a somente números? Temos palavras! Até para representar números usamos palavras. Usemos nossos olhos reais e acessórios (tantas lentes) para enxergar mais amplo. Usemos nosso ouvidos para ouvir. Usemos nossa memória real e virtual para montar nosso acervo. Por fim, usemos as palavras para entender e explicar esse mundo mundo vasto mundo, pois se eu me chamasse Raimundo seria uma palavra, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto deve ser nosso coração.

[Arley Alves Ribeiro]

quarta-feira, maio 04, 2016

Feliz Natal

O dia tão esperado chegou e tô aqui pensando que se tivesse tudo dado certo desde o início eu não estaria tão feliz e emocionado quanto hoje. Esse álbum gastou mais de três anos e meio para ficar pronto por tantos motivos que não dá listar aqui porque eu não lembraria de tudo. O nome em si é ainda mais velho. Desde 1998 que já existe. Cerca de 2009 a parceria começou com o Gustavo. Hoje nasceu o primeiro fruto desse relacionamento de dois bicudos. Pensando bem a parceria começou por aqui mesmo. Por esse blog. Foi daqui que nasceu a vontade de cantar as letras perdidas nessa web. Esse cantinho pouco visto, pouco varrido, pouco visitado. Realmente web. Spider web.

O blog nasceu em 2005. O cd nasce em 2016. É só o começo! Que essas palavras criem asas!

Bequadros - Eu me vendo (video)
Site oficial: Bequadros
Instagram: Bequadros




quarta-feira, abril 20, 2016

Eu me vendo

Bequadros - Num futuro próximo, quando se procurar nos sites de busca sobre "Bequadros" aparecerá links para diversas redes socias, site oficial e até Wikipedia. Eis o que eu gostaria de ler na definição da Wikipedia:

Bequadros é um conjunto musical indefinível. Não se sabe se é banda, grupo, dupla ou até mesmo uma célula revolucionária. Talvez seja isso, mas só talvez. Uma célula apenas. Uma revolução, quem sabe?! Certo é que nasce da desconcordância de dois primos músicos que viram que nas suas cabeças havia algo ainda a ser dito. Muitos algos a serem repetidos e outros tantos a serem compreendidos, apesar de tão ouvidos e repetidos. No seu primeiro álbum, e até agora único, eles fazem uma reflexão de quem são e de quem somos. Esses tantos nós que, atados, somos, tão cegos. Não nos vemos bem. Nos vendemos, nos vendamos e, quando por fim, nos vemos, nos assustamos. Assim, precisamos nos rever.

As canções, quase sempre na primeira pessoa, começam na infância inocente, curiosa e segura, pois protegida pela figura adulta. A adolescência entra em cena cheia de questões, revoltas, causas, faltas, vontades e utopias. É um turbilhão de sentimentos e sons, seja na forma de harmonia, melodia ou até mesmo de ruídos e dissonâncias, típicas do nosso cotidiano e dessa "fase". Por fim aparece o adulto que, após um leve despertar, se olha e se assusta com sua venda. Vendido. Vendado. Pois a criança e o adolescente se encontram suprimidos, em coma, mas não mortos. Ainda há tempo de recomeçar.

Já é madrugada'accordacorda'accorda...

[Arley Bequadro]
19/04/2016



sexta-feira, fevereiro 12, 2016

Bênça vó

- destibençôi! Toma um café! Tem bolo e biscoito! Come!

não, vó, brigado.
queria pedir uma outra coisa,
uma não, duas
queria metade da sua força
e toda sua poesia
não aquela de palavras
só aquela que o sorriso da senhora carrega...
pra mim significaria o mundo.


seus olhos azuis eu vou guardar nos meus
tchau vó!
ficumdeus

sábado, agosto 29, 2015

Resumo da obra?

Em breve o primeiro álbum vai nascer: Bequadros - Eu me vendo, com o tempo. Ouvindo algumas das canções  entendi, talvez confirmei, o quanto a gente produz de acordo com nossa personalidade. Alguém que ouça com ouvidos moucos pode até vir a gostar e se deixar levar pelo ritmo, pela melodia agradável ou algum outro elemento da canção. Porém, somente aqueles ouvidos que "ouvem as entrelinhas" é que irão realmente ser arrebatados. Senti-se-ão representados, ou como já cantava o Milton: "Certas canções que ouço, cabem tão dentro de mim que perguntar carece: Como não fui eu quem fiz?"
Não costumo ser aquele cara com muito destaque. Passo despercebido em grupos. Não é só timidez, é um jeito mineiro, quem sabe? É um estratégia?! Quem me "vê" passar, quase nunca me vê. Só funciono frente a frente, olho no olho, conversa longa, frases e explicações. Com café, chá ou algum alcoólico. Não sirvo pra apenas 140 caracteres. Trocando em miúdos, não me troco em miúdos. Careço de contexto. Funciono com texto.

Puxe uma cadeira!