Ontem abracei meu filho e, por um momento, fiquei aliviado por ele ser menino. Isso depois de passar o dia assombrado pelo último escândalo conhecido de violência à mulher. Fiquei pensando mesmo no quão inviável, impraticável, insalubre e aterrorizante é ser mulher. Não só nesse país, mas nesse mundo. Infelizmente já soube de muitos casos. Alguns tão próximos que me tiraram o chão, o rumo, a vontade e até a capacidade de reagir.
Ontem eu falei um pouco sobre esse turbilhão de sentimentos com um amigo, um homem, um pai de duas mulheres que estava indignado com o silêncio dos homens, seus pares, e dele mesmo.
Eu aceito as críticas delas com esse silêncio. Eu fiquei mudo. Eu não tive palavras. Veio um turbilhão de sentimentos ruins. Muita vergonha. Uma certa culpa compartilhada, talvez. Costumo dizer que fui criado pra ser machista, racista, homofóbico, etc. E é um processo longo e árduo de deseducação. Desintoxicação eu diria. Mas isso não é mérito, tampouco serve como desculpa. É preciso esse movimento. Todo mundo teve uma mãe. Todo mundo nasceu de uma mulher. Todo mundo precisa rever suas violências. Rever quais lhe foram ensinadas, quais foram cultivadas por si mesmo e quais foram repassadas adiante. E eu preciso começar comigo (e já comecei), mas é preciso espalhar aos outros. Outros mesmo, no masculino. Não devemos, homens, dar desculpas, mas pedir desculpas e, principalmente, devemos nos proibir de dizer: "Ah, mas mulher também...". Qualquer coisa que siga à essa linha deve ser evitada, proibida, combatida. Vamos olhar para nós em consideração a elas.
E peço desculpas pelo meu silêncio, mulheres, pois eu fiquei e fico mudo quando a tristeza ultrapassa certo limite, ou quando a raiva ultrapassa certo limite, ou quando o absurdo ultrapassa certo limite. É a minha maneira, talvez um defeito, talvez uma virtude. Ainda não sei ao certo.
Já presenciei ato de racismo tão perverso que não tive reação imediata. Já presenciei uma defesa da escravidão que me fez deixar a conversa depressivo e sem vontade de resposta. Já soube de violência sexual que me fez sentir inválido. O tempo, bastante, me fez voltar a caminhar, mas algo por dentro se quebrou. Isso porque não fui eu a vítima direta. Elas são. Mesmo quando não são, elas sabem que têm um alvo nas costas, no corpo, na essência. Como elas suportam? Como saem às ruas? Como ainda nos tratam como iguais? Como ainda nos respeitam?
Mulheres, vou me esforçar cotidianamente para ter mais atenção e respeito com vocês. Vou aprendendo a reagir mais, agir mais, cuidar mais e, principalmente, revisar-me constantemente.
Espero que um dia possa viver num mundo em que eu não precise ficar feliz ou aliviado por meu filho ser menino. Espero ajudar a construir esse mundo. Sempre com vocês, mulheres. Sempre para vocês.
[Arley Bequadro - 14/07/2022]