Flashes
Chorei quando Alex, meu irmão, saiu de casa para seu primeiro dia de aula. Eu estava inconsolável. Porque ele podia ir para o Jardim e eu não?! Não era justo! Afinal de contas eu já tinha quatro anos!!![...] [...]MINHAS MANIFESTAÇÕES DENTRO E FORA DE SALA FORAM DE GRANDE PESO PARA A TROCA DE PROFESSORES NO 2º PERÍODO DA FACULDADE[...] [...]Larguei a escola no início de março. Estava no 1º bimestre do 3º ano do Ensino Médio. Afinal de contas para que ir à aula se nada se aprende, nada é ensinado, todos os alunos conversam, ninguém leva a sério, nada é avaliado?! Assim, por cansaço, decepção e fome, larguei a escola e fiquei apenas trabalhando, se é que se pode chamar aquilo de trabalho[...] [...]Já havia lido alguns livros de literatura brasileira, gostado de alguns, amado poucos, aprendido com outros, porém, o que eu gostava mesmo era de gibi, principalmente do Batman, simplesmente porque ele era humano e não tinha superpoderes. Havia também os X-men, o Homem-aranha, e depois o Spawn. Em outra linha de quadrinhos, havia Os Escrotinhos, o Orgasmo, o Bibelô, o Geraldão, os Piratas do Tietê, Garfield, Calvin e Haroldo, e... o "i", personagem criado pelo Daniel. Aliás, o Daniel foi um amigo importante na questão leitura, instrução, curiosidade. - Saudações, amigo![...] [...]Paulo Coelho e Sidney Sheldon parece que bebem da mesma fonte. Ganham muito e vendem muito também, mas eu não os compro. Li apenas um livro de cada e me senti cheio. Sigo em frente. Maurício de Sousa foi o primeiro a me interessar com sua literatura, colorida e simples. Até então apenas havia ouvido os outros lerem livros para mim. Interessava-me por eles, mas não havia tido um contato mais forte. Apenas vi cartazes, capas, TV e palavras soltas[...] [...]Inicio meu livro. Não sei se vou publicá-lo. Talvez! Mas preciso escrevê-lo. Aos poucos. Estudando-me, dizendo-me, gritando com tinta tudo o que conseguir.[...] [...]Aquela bateria ficava ali, e eu, no auge dos meus oito anos. Sentava-me e olhava se meu irmão não estava... TUM TA TUM!! Tentava imitar o som que ouvia o Erivan tocar. E ele, quando me via deslumbrado com o instrumento, rodava as baquetas entre os dedos para que meus olhos brilhassem ainda mais. The Doors, Legião Urbana, Plebe Rude, aqueles pôsteres todos dos Titãs, da Janis, daquela banda punk inglesa... Como era mesmo o nome*???... Os shows da Paz Armada, o baixo do meu irmão Anderson, os amplificadores, aquelas caixas que me cabiam dentro, a voz do Cláudio e o violão, ali meio largado no canto... Eu lá no meio.Rodando, rodando, sonhando, decorando letras e tentando me afinar. Assimilar aquilo tudo[...] [...]Aqui estou eu regendo um monte de pessoas, ensinando melodias, corrigindo afinações, gesticulando, trabalhando com música, poesia e liderança. Quem diria!
"Uma coisa e uma coisa, outra coisa é outra coisa. E assim por diante. Não necessariamente nesta mesma ordem."
"A coisa do tempo... o tempo das coisas... cada cousa em seu tempo... cada tempo em cada coisa..."
O tempo
Entrei no maternal com 4 anos pois já estava louco para começar. Em pouco tempo aprendi a ler devido à minha grande curiosidade.
Com seis anos, viajava para Divinópolis com minha mãe e lia todos as placas, tagarelando o tempo todo.
Minha mãe contava estórias, e elas me encantavam. "...a fábula da boca da fada..." diria meu irmão mais tarde, em seu livro ALGOZES.
Em minha infância passei a ler gibis, principalmente os da Turma da Mônica. Não que eu fosse fã de leitura, mas simplesmente porque aquilo era divertido quando não tinha mais com quem brincar.
Meu pai escutava Sérgio Reis. Meu avô, meu tio Ronan e minha tia Marta tocavam violão. Eu era o menino (que bonitinho) que cantava: Galopeeeeeeeeeeeira! (Devia ser terrível, pelo menos não me lembro do som).
Meu irmão Anderson tocava violão e escutava rock, este movimento que surgia e contagiava. Anderson e os amigos montaram a banda PAZ ARMADA por volta de 1986 e, junto com ela, muitas outras bandas surgiram. Elas se organizavam promovendo festivais e shows por toda a região de Contagem. Eu, fascinado com aquele universo, gostava de ir aos shows e ensaios, que, às vezes eram em minha própria casa. Microfones, discos, pôsteres, guitarras, violões, livros, baixos, amplificadores, aparelhos de som, pedestais, bateria, revistas de cifras musicais, encartes dos vinis... Ah! Os encartes! Disso eu entendia! Eu os lia decorava todas as letras da Legião Urbana. Todas mesmo. Exercitava minha memória, minha escrita, minha leitura. Sempre que estava a toa com um caderno na mão, acabava escrevendo alguma música e tentava cantá-la. Também procurava imitar os cantores originais e queria tocar violão. Então dizia ao meu irmão:
_Anderson, me ensina a tocar seu violão?!
_Não! – respondia. Eu retrucava.
_Então, eu vou fazer aula com o Omar, tá?! – Eu insistia.
_Não! Você tem que aprender sozinho. – Rebatia ele.
_Posso treinar no seu violão? - Eu pedia.
_Não! Não quero você mexendo nas minhas coisas - Dizia demonstrando irritação.
Daí ficou difícil. Eu também não tinha feito muitos planos com a música até então, mas, como ela estava ali perto de mim, ficava complicado me manter neutro, eu que sempre fui curioso em aprender coisas.
Além dos encartes, meu irmão tinha livros, revistas de música,e revistas em quadrinhos variados. Batman principalmente, mas havia outras também, de outros personagens. Sempre adorei desenhos animados, filmes, músicas, esportes e livros. Minha leitura era sempre ligada às minhas áreas de interesse.
Certo dia, li "A ladeira da saudade", de Ganymedes José. Este foi o primeiro livro que realmente gostei de verdade. Eu o li três vezes e me prendi, não largava o livro, nem queria parar de lê-lo para fazer outra coisa qualquer, até mesmo comer.
Meu irmão era compositor de letras e músicas em sua banda. Eu queria fazer letras e músicas também, mas a música teria que esperar. Eu não podia com ela. Escrevia algumas coisas, cartinhas apaixonadas para minhas "musas". Entregava, umas, recebia outras. Sempre me decepcionando. Na paixão seguinte, lá estava eu escrevendo de novo.
Durante um certo período, de música nada fiz a não ser ouvir. Ia "na onda", por assim dizer, Eu gostava do que todos gostavam, o que estava na rádio, sem erguer bandeira. Isso nunca fiz. Minha leitura eram apenas de quadrinhos. Não que estes não tenham valor, mas não lia nada especializado, atual, técnico. Nada sabia de filosofia, de história, de literatura brasileira ou estrangeira. O máximo que fiz foi decorar o "soneto de fidelidade", e ler algo do Drummond.
Quando completei 16 anos, um amigo comprou um violão e entrou para a aula do instrumento. Eu não tinha dinheiro para isto, porém, havia algumas velhas revistinhas de cifras do Anderson em casa e um método de violão. Porém, faltava o violão. Pedi emprestado para o Daniel. Ele o havia ganhado e não estava muito interessado. Quando comecei a aprender, pedia uma ajuda aqui outra ali e não largava o "Spectroman" (o violão). Em três meses, estava tocando uma ou outra do Roberto, um Legião aqui, um Plebe Rude ali, Sérgio Reis também, Paz Armada, e assim eu seguia aprendendo.
Toquei violão sozinho até os 18 anos. Colecionava gibis até aí também. Até que arrumei um "serviço" na parte da manhã e passei a estudar à noite. Trabalhava longe de casa, acordava às 6:00, saia as 7:00, trabalhava de 8:00 às 18:00, recebia R$120,00, o mínimo da época. Como não recebia ticket alimentação, comia num restaurante. Isto me onerava em R$60,00 ao mês. Estudava no Estadual central de BH, (3º ano, Ensino Médio) e saía do serviço literalmente correndo para pegar o ônibus 1207 lotado, descer no centro para andar até a escola e chegar alguns minutos atrasado em sala de aula. Chegando em sala, todos aqueles meus estranhos e novos colegas, estavam gritando, brincando, falando, jogando, namorando, menos estudando. Os professores não davam aula, ficavam conversando com os alunos, não davam as matérias, não falavam minha língua. Eles não entendiam a minha função nem a deles ali. Eu, com fome desde a hora do almoço, acabava lanchando só às 20:40 aproximadamente. Isto durou até eu perceber que, se eu lanchasse no colégio, eu estaria gastando todo o meu digníssimo salário e esforço apenas para comer. Minha escola era uma grande ilusão e minha fome era real.
Como no início do terceiro mês de aula, não havia sido distribuído nenhum ponto, nem matéria, nem o nome de ninguém eu sabia, larguei os estudos. Achei que meu emprego de Auxiliar Técnico da Escolinha do Cruzeiro - Unidade Betânia iria me gerar algum futuro no mundo esportivo. Besteira! Meu "patrão", um ex-massagista do América, no terceiro mês de serviço me dizia todos os dias: - É Arley, precisamos cortar gastos, acho que precisaremos te dispensar. - E repetia todos os dias. Depois de certo tempo, eu resolvi responder:
- Quer saber?! Pare de ficar me ameaçando mansamente deste jeito e me mande embora logo! – Então, ele replicou.
- Você não tem humildade, desiste rápido. - Se eu contasse o que eu fiz de esforços dentro desta escolinha, escreveria um livro.
Assim, fiquei sem dinheiro, sem emprego, sem escola e com um violão. Ahá! Durante meses, fiquei em pânico e depressivo. Até que um dia, conversando com um amigo que estudava em Betim, surgiu uma esperança.
Consegui completar meus estudos em Betim, numa escola estadual. Aliás, lá comecei a freqüentar a biblioteca. Li quase todos os livros de contos do Drummond. Isto é, todos os que a biblioteca possuía. Li também "O Alquimista", de Paulo Coelho e um livro de Sidney Sheldon. Tais livros são costurados. Eles terminam, eles fecham, não deixam espaço para o leitor pensar, buracos para preencher. Por isso, não me interessei mais por esses autores. Nessa época, conheci as obras literárias de Chico Buarque, Clarice Lispector, Machado de Assis, Carlos Eduardo Novaes, José de Alencar, Luís Fernando Veríssimo, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa. Foi um semestre em que li muito, pois, eu estava uma pessoa séria e não gostava de sair de casa, enquanto não terminasse meus estudos. Sentia-me culpado e, ao mesmo tempo, revoltado com a educação que me ofereciam.
Quando enfim me formei, consegui um emprego numa locadora e comecei a trabalhar com informática. Com o dinheiro que recebia, comecei a estudar violão com um professor particular. Já pensava numa formação erudita, pois no meu entender o violão "popular" estava adiantado.
Em 1999 estudei na Fundação de Educação Artística por 6 meses. Também em 1999 fiz prova para ingressar no CEFAR (Centro de Formação Artística do Palácio das Artes). Passei e comecei a freqüentar aulas de percepção musical, apreciação musical, canto coral, viola de orquestra. Percebi o quanto eu estava atrasado musicalmente, apesar dos meus esforços, e como comecei tarde os estudos de música. Já no 2º ano no CEFAR passei a assistir outras aulas como ouvinte, tais como: Instrumentação e orquestração, Harmonia, Regência, além de fazer curso pré-vestibular. Agora eu pensava em uma faculdade. Queria me formar músico. Queria viver trabalhando com isso.
Em 2002 pensei um projeto que reunisse músicos, bandas e que lembrasse os festivais e os eventos em que meu irmão e sua banda participavam freqüentemente anos atrás. Hoje em dia não há mais eventos como esses tão facilmente. Encontrei então um outro idealista, que tinha um projeto semelhante, poém mais amplo – o de criar uma associação de artistas em Contagem. Depois de algumas reuniões com integrantes de bandas, poetas e outros artistas, surgiu a Associação dos Artistas de Contagem. Entidade sem fins lucrativos e em busca da descoberta e promoção da arte e dos artistas de Contagem. Em algum tempo, e com muito trabalho, criamos um informativo cultural e montamos uma biblioteca com um acervo de cerca de 3 mil livros, que são disponibilizados aos moradores de Contagem. Junto à Associação dos Artistas foi criada a Academia Contagense de Letras, na qual participei de alguns de seus saraus e depois até dividimos o informativo.
O informativo cultural da AAC era escrito por mim e por Eli Junior, o presidente da entidade, e por quem ser interessasse em elaborar algum editorial sobre assuntos culturais em Contagem. Tal informativo trazia poesias, quadrinhos, informações de cinema , teatro, matérias culturais, etc.
Em 2003, com meu ingresso na faculdade de música da UEMG, já estava convicto de minha opção profissional: lecionar, criar, tocar, estudar música simplesmente, viver música, ser música.
Conheci alguns filósofos. Sinto necessidade de lê-los. Todos eles. Tenho em casa vários exemplares de uma coleção de filosofia. Preciso me dedicar a lê-los, mas há tanta coisa para se fazer, há tanta estória para contar, há tanta história, há tanto...
Opiniões
Neste memorial, quero dizer, em minha própria memória, não tenho recordações de aulas, de professores, de incentivo à leitura. Apenas o que peguei "no ar". Claro que aprendi a ler na escola. Claro que tive lições de gramática, de interpretação de texto. Porém, tudo foi muito superficial, pois não dou mérito aos professores, ou seja, ao próprio modo deles de ensinar, já que se não fosse talvez minha curiosidade natural, não estaria procurando livros e descobrindo o quanto a leitura é importante.
Quanto à questão da música, fica bem claro no memorial, que tudo partiu de mim. Da minha vontade de ser algo e vencer. A Música foi e é apenas o meu caminho, assim como o do leitor deste memorial pode ser a Biologia.
Sobre os professores e as didáticas, tive (tenho) ótimos professores. Alguns realmente são educadores. Comprometidos com o aprendizado da música-arte. Outros, apenas lecionam porque precisam sobreviver e o mercado de apresentações não é dos melhores. Outros porque aprenderam de maneira não muito correta e eficiente (do ponto de vista humano, musical, artística e técnico) e repassam a informação sem muito raciocinar. Incompetência e/ou omissão. Tão comum quanto sorvete de baunilha.
Na educação brasileira, matérias básicas como português e matemática, estão sendo avaliadas e reprovadas. Os alunos que saem do Ensino Fundamental, em sua maioria, sabem ler, mas não entendem o que lêem. Também não sabem executar as quatro operações básicas da matemática: soma, subtração, multiplicação e divisão.
A partir disso digo que há muito a ser criticado quando o assunto é EDUCAÇÃO. Particularmente creio que não há uma solução a curto prazo. Penso que o governo deveria investir pesado e inteligentemente no Ensino Fundamental. Consertá-lo de vez, para depois partir para o Ensino Médio e Ensino Universitário. Infelizmente sou pessimista e creio que com tanta corrupção, tanto desvio de verbas e principalmente, com tanta incompetência em todos os níveis de serviços prestados, o curto prazo que citei acima se tornará longuíssimo prazo ou simplesmente nunca mudará de verdade. É preciso alguém ou algo que desperte, não todos, mas boa parte da população brasileira, para não mais pedir, mas exigir uma atitude do governo. Assim como tomar atitudes quanto aos problemas que os cercam. Não apenas com boa vontade, mas com competência. O que muito faz falta.
Enfim, o que deixo neste memorial é o modo como descobri meu rumo. Descobri-me. Valeu?!
*Sex Pistols, banda punk inglesa que foi grande influencia no rock dos anos 80.