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Músico, vivo, questionador, aprendiz

segunda-feira, junho 26, 2017

Palavraria

Dizem que somos feitos majoritariamente de água, mas eu desconfio. Acho que a gente é feito principalmente de palavras. Veja bem o Fabiano que sabia tão poucas palavras. A Baleia era muito mais comunicativa que ele e ela mal mal (au au) latia. O coitado do papagaio era tão 'despalavrado' que virou comida, um tanto pela necessidade e outro tanto pela falta de adjetivos. Tudo que a gente conheceu dessas Vidas Secas foi por causa das palavras do Graciliano, cujo ramo (ou Ramos) principal era a arte da palavra. Eu, muitas vezes, fico "sem palavras", não pela fatídica falta delas, mas pelo pavor de usá-las para ferir ou ser ferido por elas. Algumas machucam feito sisal. As mesmas palavras podem ser travestidas e resignificadas dependendo do receptor. Outras saem tão completamente descontroladas pelo mundo que não há muito o que fazer depois que ganham vida. As pessoas até tentam usar outras palavras para corrigi-las, mas palavra dita não tem controlzê.

Tenho um tanto de palavras escritas. Estas são baseadas em palavras pensadas, que por sua vez são baseadas em palavras lidas e ouvidas. Vivo tentando construir com palavras, seja um muro, seja um sentimento, seja um explicação, seja eu mesmo. Difícil mesmo é me desconstruir das palavras que estou. Aprendo novas, reciclo antigas, crio outras e até estudo palavras d'outro idioma para ver se funcionam melhor. Vez ou outra encontro alguma que me ajuda e vibro com o sucesso de cada desconstrução. Ando pensando que anda valendo mais desconstruir certos (meus) muros que construir certas vigas. Algumas palavras formam pontes, para fugir de palavras rasas que escorrem feito caudalosos rios, torrentes. As vezes esse rio lava, outras vezes esse rio leva. Leva minha convicção já tão pouca, lava minhas dúvidas, mas tão somente para descobrir muitas outras, que palavras faltam para me explicar. 

As piores palavras eu nem digo, mas penso, mas sou. Esse não dizer palavra maldita (nem dita) é bom. Ruim é não dizer palavras boas. Disso eu ando me curando. Problema mesmo é o acúmulo de palavras próprias que não consigo dizer. Estão crescendo feito mato. Mato-me um pouco com esse matagal interno. Tenho medo! Medo daquelas pessoas de poucas palavras. Aquelas que, por não gostar de palavra diferente, usam as poucas que têm para nos emudecer (ou nos fazer usar aquelas palavras malditas, nem ditas, acima citadas sem direta citação). Ignoram um mundo de palavras para justificar sua falta de apetite pela palavra servida. Fico mudo e mudo para outro lugar. Certas horas sinto até culpa e essa culpa lavra meu silêncio. Há (sempre houve) pessoas usando palavras bem organizadas para fazer o mal. Outras, muitas, usam poucas palavras mal organizadas para gerar polêmica. Não sabem que o mal não escolhe lado. Ele está em cada palavra. O bem tampouco se seduz por soluções binárias. Lembrando ainda que foi o número zero uma revolução na matemática, e que antes dele já havia não só o um, mas ainda o dois, o três, o quatro e o infinito. Para que reduziríamos tudo a zero e um? Para que reduzir tudo a somente números? Temos palavras! Até para representar números usamos palavras. Usemos nossos olhos reais e acessórios (tantas lentes) para enxergar mais amplo. Usemos nosso ouvidos para ouvir. Usemos nossa memória real e virtual para montar nosso acervo. Por fim, usemos as palavras para entender e explicar esse mundo mundo vasto mundo, pois se eu me chamasse Raimundo seria uma palavra, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto deve ser nosso coração.

[Arley Alves Ribeiro]

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